A essência dos livros digitais
Na transição para um mundo cada vez mais dominado pelo digital, observamos uma mudança gradual, porém constante, na forma como o público se engaja com a leitura. As pesquisas indicam um crescimento constante, ainda que lento, na preferência pelos formatos digitais, ao menos no Brasil.
No entanto, essa transição carrega o risco de os livros perderem sua relevância em um cenário midiático competitivo e diante desse cenário, é imperativo reconhecer e valorizar as características específicas e os diferenciais dos livros digitais – a capacidade de adaptação e a acessibilidade.
Em um contexto onde o consumo de literatura enfrenta a concorrência de outras mídias e formatos de entretenimento, os eBooks emergem não como simples substitutos do papel, mas como veículos de uma experiência de leitura reformulada. Adaptados para as necessidades dos leitores modernos, eles permitem uma personalização sem precedentes e oferecem facilidades de acesso que os diferenciam significativamente do impresso.
Longe de serem meras réplicas dos livros impressos, os livros digitais devem ser entendidos e valorizados por sua capacidade intrínseca de se adaptarem à variedade de dispositivos utilizados pelos leitores, desde smartphones até leitores de e-books dedicados. A acessibilidade não é apenas um recurso adicional; é a essência do que torna os livros digitais uma ferramenta poderosa e indispensável para a inclusão e o engajamento em nossa sociedade cada vez mais conectada.
O Desafio da Proximidade com o Impresso:
No mercado editorial, a transição do impresso para o digital frequentemente buscou manter uma estreita relação visual e funcional com o formato impresso. No entanto, essa abordagem pode trás o risco de deixar de lado as potencialidades e as exigências específicas da leitura digital. A realidade é que mais da metade dos consumidores de eBooks hoje optam pela leitura em smartphones, que demandam um design responsivo e dinâmico, ajustável a diferentes tamanhos de tela e preferências pessoais de leitura.
A insistência na fidelidade ao impresso limita a exploração do formato EPUB3, que é mais do que um recipiente de conteúdo; é um avanço tecnológico que permite uma interação diferenciada com o texto. Ao invés de replicar o layout estático do papel, é fundamental que os eBooks abracem a fluidez, oferecendo uma experiência personalizada que reflete o comportamento não linear do pensamento humano, semelhante à ideia de hyperlinks.
Reconsiderando a Estética Visual
O uso de imagens para emular a estética do livro impresso em eBooks pode criar barreiras à acessibilidade. Textos convertidos em imagens, por exemplo, são podem ser lidos em leitores de tela, dificultando a experiência de usuários com deficiências visuais.
A acessibilidade deve ser vista não como um acessório, mas como um alicerce fundamental do design de eBooks. Ao criar um EPUB3, deve-se equilibrar a estética visual com a necessidade de tornar o conteúdo plenamente acessível e adaptável a todas as formas de tecnologia assistiva.
Abraçando o Potencial digital
Para abraçar verdadeiramente o potencial do digital, é essencial adotar uma mentalidade ‘digital first’. Isso significa que o conteúdo digital não deve ser uma simples transposição do impresso, mas sim algo que aproveita ao máximo as funcionalidades únicas do meio digital. O conceito de ‘progressive enhancement’ pouco usado e conhecendo na produção de livros digitais, aplica-se bem aqui: começa-se com um conteúdo básico acessível para todos os dispositivos e plataformas, e então camadas adicionais de complexidade são adicionadas para dispositivos mais avançados. Assim, independentemente do dispositivo utilizado para a leitura, o conteúdo principal permanece acessível, enquanto recursos adicionais enriquecem a experiência onde possível.
Design e Usabilidade Pensados para o Digital
Ao planejar um eBook, os editores devem reconhecer que estão lidando com um novo suporte, que carrega características e possibilidades que o impresso não pode oferecer. Isso implica conhecer e selecionar funcionalidades técnicas que enriqueçam a experiência de leitura. Não estou falando de interatividade ou coisas mirabolantes, mas de elementos simples e funcionais. Por exemplo, o uso de hyperlinks e um sumário interativo são aspectos que devem ser explorados ao máximo no formato EPUB, pois facilitam a navegação e melhoram a usabilidade do livro digital. A cor, frequentemente limitada no impresso devido a custos, pode ser usada livremente para realçar o design e a apresentação no EPUB, aumentando o apelo visual e a clareza.
Em síntese, o livro digital no formato EPUB 3 é inerentemente diferente do impresso. É vital que os produtores de conteúdo digital abracem essa diferença, pensando no digital como a plataforma primária e não como uma reflexão tardia do impresso. Somente assim poderemos explorar plenamente as capacidades do digital para oferecer uma experiência de leitura verdadeiramente enriquecedora e sobretudo acessível.
Acessibilidade e a vontade de ler
A questão da acessibilidade em livros digitais ganha uma nova profundidade quando consideramos a pesquisa recente feita pela Fundação Dorina Nowill (PublishNews), destacando o crescente interesse pela leitura entre pessoas com deficiência visual. Além dos recursos adaptativos já conhecidos, como aumento de texto, leitura em voz alta e configurações personalizáveis, a evolução do formato digital, especialmente o EPUB 3, traz um horizonte mais inclusivo e acessível.
O EPUB, adotado pelo mercado editorial, segue de perto as diretrizes de acessibilidade da Web definidas pelo W3C. Isso significa que os livros digitais, ao se alinharem com esses padrões, não só melhoram a experiência de leitura para todos, mas também se tornam verdadeiramente acessíveis para pessoas com deficiências visuais.
Do ponto de vista de quem produz livros digitais ou das plataformas de leitura é fundamental a referência a um padrão reconhecido internacionalmente e criado por mais mãos, pois isso garante a compatibilidade, a distribuição a nível internacional, e a qualidade do que é produzido.
A acessibilidade, longe de ser um acessório ou uma funcionalidade adicional nos livros digitais, é um requisito intrínseco, fundamental para a inclusão e democratização do acesso à leitura. Este conceito é apoiado pela visão de que a acessibilidade não é uma etapa do processo de produção, mas sim uma parte integrante de todo o ciclo de desenvolvimento do livro digital. Desde o autor até o editor, cada participante do processo é um agente ativo nesta abordagem inclusiva.
A implementação do EPUB 3, baseada em HTML5, não é apenas uma questão técnica, mas também um paradigma cultural. A correta utilização do HTML5, que oferece uma marcação de texto que destaca as várias partes do texto fornecendo hierarquia e semântica, é um passo essencial para a acessibilidade.
No entanto, existem desafios no caminho. A transformação de livros impressos em digitais muitas vezes ignora o pensamento ‘digital first’, resultando em arquivos que não foram originalmente concebidos para o meio digital. Isso leva a dificuldades na adaptação para formatos acessíveis, destacando a necessidade de um novo paradigma na produção de livros digitais – um que integre a acessibilidade desde o início.
Além disso, há um desafio em educar e envolver todos os participantes no processo de produção, desde os autores até os editores, para garantir que cada elemento do livro digital – textos, imagens, gráficos, tabelas – seja pensado com a acessibilidade em mente.
Concluindo
À medida que avançamos na era digital, os editores enfrentam o desafio fundamental de repensar o livro não como um objeto estático, mas como um meio dinâmico e adaptável. A acessibilidade não é apenas uma vantagem; é um imperativo para garantir que a literatura continue a ser um recurso valioso e acessível para todos, independentemente das limitações físicas.
Aos editores o meu convite a não se limitarem a converter o conteúdo do impresso para o digital; metamorfoseiem-no. Aproveitem as funcionalidades do EPUB3, desde hyperlinks até elementos interativos, para criar livros que sejam não apenas lidos, mas vivenciados. Pensem no ‘digital first’, onde o texto se transforma e se adapta às diversas plataformas e necessidades dos leitores. Ao fazê-lo, vocês não estarão apenas preservando a essência da literatura; estarão expandindo suas fronteiras para alcançar todos os cantos de nossa sociedade conectada.
Vamos juntos construir a próxima geração de livros digitais que sejam acessíveis, envolventes e imersivos, garantindo que a leitura continue a ser uma fonte de conhecimento, prazer e inspiração para todos.
Referências
PublishNews: Apenas 16% da população brasileira é consumidora de livros, aponta pesquisa inédita
PublishNews: Pesquisa identifica alto índice de interesse pela leitura entre pessoas com deficiência visual
PublishNews: Inteligência artificial: novidades, atualizações e reflexões
Booknando: Por que publicar no formato EPUB 3: Compreendendo as vantagens